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TICO-TICO E TUIM. A LEVEZA DE SER.

ERA UMA VEZ UMA RUA CHAMADA TICO-TICO

 

​--- O Tico-Tico ta?

---Tá!
--- Tá outra vez aqui?
--- Ta!
--- O Tico-Tico ta comendo meu fubá.
Um Baba-Ovo qualquer implica-se com o Tico-Tico:
--- O Tico-Tico tem, tem que se alimentar
Que vá comer umas minhocas no pomar
Mas por favor, tire esse bicho do seleiro
Porque ele acaba comendo o fubá inteiro

Com uma velha vocação bajuladora, e com medo de perder o seu fubá, o Baba-Ovo ergue-se diante de seus pares na Câmara Municipal, espanta o Tico-Tico do muro e reserva o lugar para um Ministro.
Ele, o Ministro, ainda está lá pendurado numa placa.
Basta consultar o Guia de São Paulo para confirmar.
O Tico-Tico nunca mais se viu nem se falou.
Talvez alguém questione qual a importância de um Tico-Tico diante de um Ministro.
Afinal, o que é um Tico-Tico na história de um país que, igual a todos os países do Terceiro Mundo, reverencia a Águia Americana?

 




Carmem Miranda canta Tico-Tico no Fubá, de Zequinha de Abreu
--- O Tico-Tico ta, ta outra vez aqui, o Tico-Tico ta comendo o meu fubá...
O povo na rua se envolve alegremente. Dança com o Tico-Tico. Ri. Brinca. É a divina transformação do adulto numa criança feliz.
Um Baba-Ovo bate palmas, mas não é aplauso, é uma ordem. Que parem a dança e parem a música e se alinhem e se endireitem em posição de sentido e que em lugar do chorinho cantem o Hino Nacional. A rua agora é do Ministro.
Num país, num estado, numa cidade, numa rua, nada é mais triste do que espantar um Tico-Tico para homenagear um Ministro.
O mal deste país sempre foi confundir pardal com Tico-Tico.
O Tico-Tico traz um topete na testa. Mas, não é topetudo, no sentido arrogante da palavra. Em sua humildade, ele choca os ovos do chupim e ainda alimenta os filhotes. O chupim, esperto, joga fora os ovos que estavam no ninho do Tico-Tico e põe os seus no lugar. Assim nasce uma ninhada inteira de chupins, essa espécie que saiu dos campos para diversas instituições públicas.
O Tico-Tico também não voa em grandes bandos. Não é um passarinho político. E nunca armou conchavos para ser um símbolo e um dos mais populares representantes de nossa fauna.
Assim como o chorinho de Zequinha de Abreu, o Tico-Tico é o Brasil brasileirinho, o Brasil Tico-Tico no Fubá, quando as crianças à tarde brincavam livremente numa rua que ainda não era do Ministro e o Tico-Tico ciscava o chão e os jardins.
Há quase 50 anos, foi plantada uma muda de Sibipiruna na Tico-Tico, em frente de uma das casas mais felizes da rua.
A árvore continua lá. A casa virou um grande prédio de apartamentos.
E numa dessas manhãs em que a gente sai em fuga dos fantasmas que rondam nossas almas, lá estava um Tico-Tico num galho da Sibipiruna. Havia uma flor amarela ao seu lado. O Tico-Tico e uma flor amarela.
Deu vontade de chorar.
Mas, a placa da rua com nome de Ministro estava bem à vista e a vontade passou.
Naquela casa foi ensinado, num lindo domingo de Primavera, que um homem pode chorar diante de um poeta.
Mas, jamais diante de um Ministro.







AH, ESSE AMOR QUE VOA MANSINHO

Tuim. Periquito cheio de amor pra voar. Manso e bonito. Quando formam um par, ele e ela roçam suas penas, se afagam e cantam:

---Tuim, Tuim, Nunca Voe de Mim.
Se ninguém ouviu é porque anda distraído com o celular e canto de Tuim não entra em ouvido ocupado.
Amor de Tuim é desses raros amores que cantam na chuva.
Ele e ela, amor molhadinho, espargido um no outro.
E se fossem tangarás --- ele de Gene Kelly, ela de Debbie Reynolds --- também dançariam na chuva, no meio da rua e alguma boa alma colocaria no ar, solta ao vento, a canção Singin’in the Rain.
A dança do amor do Tangará nenhuma criatura dança com tanta graça.
Diversos machos, às vezes até oito, diante de uma única fêmea, se soltam no ar com toda a paixão. Ela escolhe o mais encantador.
E o amor se cruza sob plumagens verdes e vermelhas, macio e delicado.
O Tuim também tem sua magia.
Mulher que achar e guardar seu ninho terá o homem que quiser.
Ele é o Periquito de Santo Antônio.
Sob as árvores da rua Tuim, uma velhinha parou saudosa. Olhar antigo.
---Na vida o amor é a coisa mais gostosa.
Falou bem assim.
O marido ela pegara no ninho.
Mas, o ninho do Tuim secou, voou, e o vento levou o marido pelo mesmo caminho.
Ela seguiu pela rua com seu andar capenga. Eram duas velhinhas cansadas: ela e a cachorra molenga.
Então, tocaram a campainha.
Ninguém.
Uma casa com alma de gato, coberta com unhas de gato nos muros e nas paredes. Mas cadê o gato, alguém, cadê?
Quem corta as unhas naquela casa? Ninguém?
O número da casa não importa e só o periquitinho verde sabe sua sorte. Não fica bem contar um conto e aumentar um ponto. E tomara que as unhas daquela casa tenham um bom corte.
Mas, na Tuim também existe uma casa amarela, singela, com barulho de panela.
O Sol sempre passa pela janela de quem bate panela numa casa amarela.
Almas da Tuim pintadas de aquarela.
Ninguém viu o Sebastião que varre o chão?
Folhas mortas, varridas da calçada, barulho do Sebastião, que abençoa o vento. Sem o vento ele teme perder a vassoura e fica com o coração na mão.
Sebastião, na Tuim, tem mais de um. E nenhum quer mais nos seus sonhos nem jaca nem jerimum.
Agora, quem anda com o olhar no chão, que conte as folhas caídas.
Quem anda com o olhar no alto, que pegue uma flor de Ipê.
Brinque de ver na Tuim os pés não importa de quê.
Lá atrás daquele poste tem um pé de manacá. Você vai pra lá?
Num quintal sobrevivente, aparecem três velhos pés: Um é de Jabuticaba, outros dois de gente.
Um galho de Flamboyant, na altura do sexto andar, pede água à moça na janela. A moça não ouve, ocupada com o vidro, mãos de flanela.
Como um Flamboyant de Madagascar veio parar em Moema? E por que essa árvore fica tão seca no Inverno? Não pergunte à moça da janela. Ela também é seca e não espera flores como um pé de Ipê.
Agora, um conselho: Quando a alma doer um pouco, pegue uma tarde ou uma manhã da Tuim.
Existe muito amor a caminhar pelas calçadas. Mas, é bom lembrar: só pega o amor quem tem amor pra dar.

 

 

Que alegria era ouvir Carmem Miranda

na rua Tico-Tico. E que tristeza é discurso de ministro.

E se em vez de Tuins fossem Tangarás --- ele de Gene Kelly, ela de Debbie Reynolds --- também dançariam na chuva, no meio da rua e alguma boa alma colocaria no ar, solta ao vento, a canção Singin’in the Rain.

Um galho de Flamboyant, na altura do sexto andar, pede água à moça na janela. A moça não ouve, ocupada com o vidro, mãos de flanela. Como um Flamboyant de Madagascar veio parar em Moema? E por que seca tanto no Inverno? Não pergunte à moça da janela. Ela também é seca e não espera flores como um pé de Ipê.

Afinal, o que é um Tico-Tico na história de um país que, igual a todos os países do Terceiro Mundo, reverencia a Águia Americana?

A Sibipiruna plantada há 50 anos em frente

de uma das casas que foi a mais feliz da rua

TUIM, TUIM, TUIM. TUIM!!!

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