









moema bem-te-vi
moema bem-te-vi
miguel arcanjo terra
A rua virava lama nas tempestades de Verão.
Numa dessas tardes em que a soma de tudo dá como resultado um dia perdido, ele se afundou no barro e gritou em fúria:
--- Prefeito de merda!!!
Só mesmo fora de si falava uma coisa dessas. E fora de si invocou todos os espíritos com que lidava no seu fundo de quintal. Serviu cachaça e bebeu com eles. Dançou na lama, se lambuzou de raiva, tomou banho e foi dormir. Nem ocupou seu lugar na hora do jantar.
Na manhã seguinte, centenas de passarinhos ocuparam a rua. Vieram pelo chamado daqueles espíritos do fundo de quintal.
Chegaram batendo asas nas poças d’água. Batiam e espalhavam longe, com seus pés e caudas, também amassavam a lama, espremiam e a terra finalmente secou.
O velhinho que contou a história disse que as Lavandiscas desapareceram de Moema faz muito tempo.
O velhinho está agora nos seus quatro anos de idade. Mas, aparenta muito mais.
A Lavandisca mede uns vinte centímetros de comprimento, falou.
Deve haver uns três centímetros de aumento. Mas, o velhinho não mente, o problema é da lente.
A Lavandisca tem cauda longa. Cabeça e a garganta negras. Barriga e faces brancas. Garantem que seu nome é Alvéloa, mas também atende pelo apelido de Lavandisca ou Lavandeira. Se alguém encontrar, ligue para o velhinho.
Qual o número do celular, qual o seu nome? Esse é o problema: ele se esqueceu de todas as coisas que não sejam passarinho.
Velhinho que sobra é um sobrado.
E sobrado em Moema vira pó.
Na Lavandisca já caíram tantos.
A realidade do tempo virtual nem sempre combina com a do tempo real. Tempo virtual é o que pode vir a ser. É o novo tempo de Moema.
As árvores continuam na real, mas elas são invisíveis num mundo virtual e o vir a ser passa por elas ligado num celular, indiferente.
Nas mesas dos bares, choperias e restaurantes da Lavandisca nem adianta beber para voltar ao tempo real. Conversas e olhares virtuais deixam patéticos os velhos garçons que ainda não são magnéticos.
A esperança na Lavandisca é ser Zen num restaurante japonês: Jamais passe onde Deus não está. Mas, onde Ele está, passe depressa.
Ou questionar, só para chatear, não um Koan do Zen, mas o tamanho do colarinho do chope na mais antiga e correta casa de São Paulo. Espuma com menos de três centímetros amarga o chope. E se for mais, amarga a conta. Como??? O João Sehn fechou???
Por falar em chope, na Lavandisca havia um pé de Dama da Noite. Só os bêbados de passagem sentiram seu perfume em tempo real.
Desculpem os ais, mas hoje é enjoativo o cheiro das damas da noite virtuais. Dá até medo de sonhar, porque vai tocar o celular.
Pobres valets que lidam com tickets e tiques nervosos. Eles são de outro mundo, o subsolo ou a parte do fundo, e formam com lavadores de pratos, faxineiros e entregadores de pizza o universo paralelo da Lavandisca, onde o tempo é real.
Em dois ou três botecos espremidos entre prédios e restaurantes de luxo, eles brindam depois do trabalho a volta à bucólica condição humana de procurar quebrar o gelo com um gole de cachaça. E dividir com dois ou três a conta da cerveja. Então, esperam que passem homens tigres de fim de festa ou promoções para rir deles.
Um tigre, dois tigres, três tigres.
--- Repita depressa!!!
--- Um tigre, dois tigres, três tigres.
Existe muita pressa no tempo virtual para tigres de verdade. Essa pressa de andar e chegar, de ver e comprar.
O tempo virtual que nos consome é o mesmo de nossa ânsia de consumo.
Mas, ainda existe um restinho de tempo real para se aproveitar na Lavandisca. Com ou sem colarinho.
Depois do sexto caneco, faça um favor a um velhinho: pergunte na mesa ao lado se alguém, por acaso, viu um passarinho de uns vinte centímetros de comprimento, que atende pelo apelido de Lavandisca ou Lavandeira.
Se fizerem gracinha, não leve a mal. Lembre-se de que você estará bêbado, também.
O que? Não acredito. O João Sehn fechou???


Espuma com menos de três centímetros amarga o chope. E se medir mais, amarga a conta. Lição aprendida nas mesas do velho João Sehn da Lavandisca. Como??? Faz tempo que o João Sehn fechou??? Não abre mais???
Velhinho que sobra é um sobrado.
E sobrado em Moema vira pó.
Na Lavandisca já caíram tantos.

A Lavandisca mede uns vinte centímetros de comprimento, falou um dos velhinhos da foto.
Deve haver uns três centímetros de aumento.
Mas, o velhinho não mente, o problema é da lente.

Lavandisca que enxuga a Terra
Alvéloa, Lavandeira ou Lavandisca
E POR FALAR EM CHOPE