









moema bem-te-vi
moema bem-te-vi
miguel arcanjo terra
DEUSA MOEMA, DE TANTO ENCANTO

--- Serenava o mar o seu olhar.
--- Olhar de quem?
--- De Moema.
--- Moema?
--- Moema, filha de Taparica, grande cacique Tupinambá.
--- Verdade ou é só história? Mas, conta, conta.
--- Em águas mansas, o rosto de Moema pousava cor de bronze, reflexos de uma deusa.
--- Faz tempo que ninguém vê. Desliga a tevê. Conta.
--- Taparica era herói do povo Tupinambá.
--- Não fale de povo, que povo é frágil como casca de ovo.
--- Taparica era mais forte que Anhangá, o Rei dos Infernos. Taparica abateu o terrível Jacaré que, a mando de Anhangá, devorava na tribo os meninos quase homens, quase guerreiros. Mas, toda essa rudeza do pai contrastava com a suavidade de Moema, serena, amena. Ah, essas flores que nascem nas pedras.
--- Por que esse suspiro se em tempo de Internet ninguém suspira mais?
--- Porque havia a irmã Paraguaçu. Ela era assim mais o jeito do pai, uma alma de mar tempestuoso. Ah, o colibri apenas toca a mesma flor em que pousa uma borboleta.
--- Eu não entendi.
--- Não? Eu quis dizer que a alma de Moema era de asas leves e ela voava e pousava de seus sonhos sem ferir a mais frágil flor.
--- E sua irmã Paraguaçu?
--- Ela não voava em sonho nenhum. Nem debruçava seu olhar ao longe, no mar. Moema, sim. E em suas visões estava o deus que lhe faltava, o maior de todos, o do amor.
--- Será que existe amor sem frescura?
--- Até que um dia ele chegou. Veio do lado de lá da linha do horizonte, onde ficam todas as quimeras.
--- Os pesadelos ficam do lado de cá?
--- Era um deus branco, nunca visto pelos Tupinambás e Moema amou o amor pela primeira vez.
--- Deus branco no meio de índio vira o diabo.
--- Na tribo, todos temeram que um demônio disfarçado chegava do reino de Anhangá. E Anhangá ensombrava o mundo.
--- Uh, sem frescura, me dá calafrios o Vale do Anhangabaú. É diabrura? Eu passo por cima, pelo Viaduto do Chá.
--- Taparica se adiantou com outros guerreiros. Abateria aquele demônio como já havia abatido o Jacaré. O deus do amor de Moema estava sob a mira da morte. Arcos e flechas, gritos de guerra. Moema fechou os olhos.
--- Ai, desculpe o suspiro.
--- Então, um estrondo sacode o mundo. A chispa de um raio. Uma ave cai do céu.
--- Parece magia negra.
--- Silêncio. Os índios recuam assustados.
--- De olhos agora abertos, Moema viu que Taparica, seu pai, e todos os guerreiros Tupinambás se prostravam diante do deus com quem ela sempre sonhou. Ele de pé. Soberbo. E ainda saía fumaça daquela estranha arma mais poderosa e certeira que as flechas de seu pai. Caramuru, gritavam. Homem Trovão. Caramuru.
--- Diogo Álvares Correia, o náufrago português?
--- Caramuru. O deus do amor de Moema.
--- Deus do amor. Esse é o mais misterioso dos deuses, cheio de caprichos.
--- Ele não escolheu Moema, mas quem nunca havia sonhado com ele: Paraguaçu.
--- Eu não disse que o deus do amor é fogo?
--- A irmã Paraguaçu tomou o mais lindo sonho de Moema.
--- Amor muito sonhado é amor perdido, desgarrado.
--- A dor dessa perda Moema escondeu num olhar triste, tão profundo que ás águas passavam sem refletir seu rosto. Caramuru e Paraguaçu viveram todo o tempo sem perceber a dor que fazia Moema ser uma sombra entre as sombras.
--- A história acaba num suspiro?
--- Moema saiu de si mesma e a história continua. Um dia Caramuru embarcou com Paraguaçu numa nau rumo à Europa.
--- Europa?
--- Paris. Lá Paraguaçu seria batizada com nome de rainha: Catherine du Brasil.
--- E Moema?
--- Quando a nau zarpou, Moema se atirou ao mar e a seguiu. Nadou, nadou, nadou. Já bem longe da praia perdeu-se da nau, de si mesma e do seu destino. E o mar envolveu seu corpo agonizante.
--- E aí os tubarões entram na história?
--- Os golfinhos. Eles trouxeram seu corpo morto até a praia. A lenda conta que ela continuava com a beleza viva de uma deusa. Dizem que até hoje Moema é linda.
--- Você, por acaso, sabe que dia é hoje?
--- Sexta-feira. E Moema aparece vestida de branco, entre rosas vermelhas, nos cultos onde evocam seu nome e onde Anhangá não aparece. E acabou a história.
--- História é sempre assim. Entra por uma porta, sai por outra, quem quiser que conte outra.