









moema bem-te-vi
moema bem-te-vi
miguel arcanjo terra
PAVÃO E GRAÚNA. UMA QUESTÃO DE ALTIVEZ
E BOM AGOURO.

PAVÃO SEM ALTIVEZ
Ah, se os jovens da rua Pavão pavoneassem com uma cauda de longas penas.
Ah, se eles a erguessem num grande leque vertical e assim atraíssem as garotas para um vai-e-vem colorido.
Mas, falta aos jovens a altivez natural do Pavão.
Tatuagens, brincos, piercings e bíceps bombeados não engrandecem a postura. Só lembram impostura. E não têm nenhum poder de sedução, pela mesma vulgaridade que faz tantos pardais tão iguais.
Por que não diferenciar o corpo e o espírito por caminhos transcendentais? Mansos, o corpo e o espírito são irresistíveis e incomparáveis.
Por que as garotas não preenchem o vazio de tantas floreiras nas varandas e criam na Pavão jardins suspensos da Babilônia?
Existem lojas de vasos e flores pertinho de quem tem olhos para ver.
E ai de quem não viu além da escuridão de seus óculos escuros as flores de Manacá da Pavão. Ficam lindas as mulheres que pegam nas lojas a cor lilás das flores de Manacá e se vestem dela num dia de sol.
Em moda fina ou pret-a-porter o lilás lembra a paz de descer caminhos da Serra do Mar ao encontro do primeiro amor da adolescência. Nessa visão da inocência, nada se perde e a alma se transforma, fica meio sonho de confeitaria, meio pão com manteiga da padaria, meio porcelana, meio pedra preciosa, entra no reino das crianças, sente saudade da comida de casa, papai-mamãe, descarta por uns tempos os alimentos práticos, os espelhos dos hair-centers e contempla amorosamente uma casa antiga da pequena Arapari, uma rua atravessada na Pavão.
Pavonear na Pavão.
Experimente, depois de uma chuva de verão, quando o Sol brilha nas folhas molhadas das árvores.
Quem sabe você encontra uma mulher vestida de lilás, sob nuvens brancas paradas no ar. Quem sabe ela já está esperando você.
GRAÚNA DE BOM AGOURO
Um pássaro negro.
Graúna.
Pássaro encantado de bom agouro que não se vê mais.
Primaveras e Ipês enchem a rua de flores e cores, mas da Graúna sobraram apenas sombras de pardais.
Talvez a Graúna voou para o mesmo silêncio onde já devem estar aqueles que consagram seu nome numa placa de rua. Lá não se dá nem um pio.
A rua Graúna é um pedaço de caminho que traz uma saudade estranha, não sei de que.
Dá assim uma vontade de ficar à sombra do imenso pé de pitanga, que é um verso na frente daquela casa e a esconde dos demolidores que chegam a Moema com seus tratores.
Essa saudade não sei de que na Graúna quem sabe seja a mesma que a gente sente ao ver fotos em preto e branco num velho álbum de família.
Na Graúna ainda existem reservas especiais de suaves sombras e contrastes, em sobradinhos onde é possível que um casal de velhinhos, da safra de 1.930, se debruce na janela.
Abre a janela Maria que é dia
Abre a janela que o sol já raiou
Os passarinhos fizeram seu ninho
Na janela do seu bangalô
Na Graúna dá vontade de buscar canções perdidas no tempo. E cantar.
É uma rua onde a saudade brinca de esconde-esconde e às vezes está atrás de um portão ou enveredada vila adentro, essas vilas surpreendentes em ruas de Moema, onde as pessoas entram e saem de si sem que o vizinho se incomode.
Quem ainda não caminhou pela Graúna, que dê o primeiro passo e saia do desencanto. Porque nada é mais sem graça do que andar desencantado pela vida.
