









moema bem-te-vi
moema bem-te-vi
miguel arcanjo terra

Em dia de chuva, dói bem aqui quando canta a Juriti.

E bate uma saudade de chuva mansa, barulho no telhado, cantiga de mãe, vontade de ser criança e dormir.

Mas, tudo passa, tudo passará. A chuva, também.

Deixar uma porção de ontem, apanhar uma porção de agora.
Manhãs cor de canário.

Ser um. Sem par. Amar. Soltar-se na brisa como a folha que cai.
O CANTO TRISTE DA JURITI
E MANHÃS COR DE CANARINHO
Quando canta a Juriti dói bem aqui.
Nem é canto, é um arrulho.
Tristeza e ternura.
E bate uma saudade de chuva mansa, barulho no telhado, cantiga de mãe, vontade de ser criança e dormir.
Dor de chuva é dor enrustida que pega mais os que se perderam de seu destino. E se a alma é desgarrada, nem adianta tocar o sino.
A loja de óculos?
Pois, não, é logo ali.
Mas, pra que trocar os óculos se os olhos é que estão embaçados?
Quando a vida pega tanto no pé da gente, que culpa temos das mancadas?
Mas, é bom disfarçar na academia de musculação.
Em dia de chuva, dói mais aqui quando canta a Juriti.
Boa hora pra se lavar a alma.
Apanhe na papelaria umas folhas em branco. Escreva tudo o que lhe der na telha. Que apareçam todos os demônios e não importa que venham sem pé nem cabeça, com erros de concordância, grafia, pontuação. Escreva, escreva e faça bolinhas de papel com cada folha. Uma a uma, deixe-as na enxurrada, num descarrego para que se desfaçam os pesadelos.
Em dia de chuva tem outra opção: ficar no balcão da padaria com o queixo na mão.
Mas, tudo passa, tudo passará. A chuva, também.
E sob o Sol da Juriti as árvores passeiam com o vento, magníficas. Imponentes na frente de casas e prédios, elas adentram o Colégio NS Aparecida e deixam verde e criança o nosso olhar sem pecados concebido.
Sob o Sol da Juriti dá vontade de ser palhaço numa festa de aniversário no buffet infantil e, entre crianças, aliviar a alma, que às vezes fica pesada de dívidas e dúvidas com o próximo.
As dúvidas não incomodam tanto.
Mas, as dívidas, ah, as dívidas.
O carro importado, quem mais se importa com ele, além do banco?
O status passa, a merca fica.
O novo apartamento, sabe quem mora em cima? Sabe quem mora embaixo? Todo mundo sabe, já perdeu a graça e se paga tanto por tanta falta de graça.
A decoração assinada pelo mais colunável dos profissionais, olhe só o seu dinheiro no sorriso dele na foto, e não se percebe mais nada do que ele fez em sua casa, porque todos andam com os olhares caídos num vazio profundo. Por isso é que dói bem aqui quando canta a Juriti. E chove.
MANHÃS COR DE CANARINHO
Manhãs cor de canário. Brincar de amarelinha, abrir as asas, fugir da gaiola.
Não dar bola, ir embora, céu afora.
Deixar uma porção de ontem, apanhar uma porção de agora.
Manhãs cor de canário.
Bater pernas, sem hora, nada de gente que cola. Isola.
Ser um. Sem par. Amar.
Soltar-se na brisa como a folha que cai.
Que cor é aquela da casa 449?
Por que a cor de vinho da Brasília na garagem?
Que paragem é essa num tempo que sempre se move em Moema?
Um pouco do velho mundo fica no lugar. E um canário canta. Velho como as Ilhas Canárias, Açores, Ilha da Madeira, em Moema o canário descobriu a América.
E em Moema, o ovo em pé de Colombo virou omelete, crepe suzete, pudins, quindins, em tantas padarias que não são mais dos Joaquins.
O forno e o fogão estão sob direção de uma nova geração.
Assim como o ão do Estadão, na Canário tudo é ão.
Carrão na contramão. Lá vem palavrão.
Na padaria, passam manteiga no pão.
No empório, pesam o parmesão.
No portão da tarde, encosta a pança o bonachão.
Nos muros de pedra, solidão.
Nos muros verdes de unha de gato voa um zangão.
Na floricultura, pedem Coração de Leão.
Nas paredes espelhadas do restaurante, passa um avião.
Na casa de massas, mãos se esticam em mutirão.
Nas maisons só tem mandão.
Nos bares e restaurantes fechados e lacrados colam um papelão.
Sob o pé de pêssego do pequeno quintal, deixam um furgão.
Na oficina de consertos de roupas nada se faz sem dedal e sem dedão.
Na rotisserie, assam empadão.
No bureau de artes gráficas, espera-se uma boa impressão.
Nas butiques, sacam o cartão.
No berçário, acorda um chorão.
No Cyber Café entra um executivo fora de mão.
Na Loteca, bolão.
Na bela loja feminina de bolsas e calçados, não entra sapatão.
Na pizzaria, cheiro de manjericão.
Na sorveteria, um menino pidão.
Na loja infantil, o mesmo menino leva um beliscão.
Na locadora de livros, entra um solteirão.
Tardes e manhãs cor de canário.
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